Cabra idosa. Mas gaiata
Era um típico domingo chuvoso em Salvador. Sem a possibilidade de ir a praia e com as alternativas de lazer limitadas, parte dos soteropolitanos faziam o tradicional “rolezinho” no shopping. Não era um movimento organizado ou politicamente engajado. Eram apenas pessoas comuns, que aproveitavam o espaço privado, travestido de público, para jogar conversa fora, ver vitrines e tecer odes ao capitalismo e ao consumismo. Foi assim que observei a cabra idosa.
Estavam em um grupo de cinco ou seis senhoras. Impossível precisar a idade, mas aparentavam, todas, mais de 70. Uma delas era profundamente marcada por intervenções cirúrgicas na face. A impressão ao olha-la era que, caso o sorriso exigisse uma gargalhada, parte da pele se desprenderia do coro cabeludo e uma tragédia ali aconteceria. Mas, para a sorte dos presentes, elas eram comedidas demais para ultrapassarem o limite do sorrisinho sacana, de canto de boca.
Em frente a uma loja de tortas, reclamavam do atendimento. “Vou pedir logo o meu segundo café”, disse uma. “Peça mesmo, do jeito que é o atendimento, duvido que ela tenha anotado o primeiro”, completou a amiga. Cada uma com seus objetos dourados no punho, deixando o personagem Senhorzinho Malta invejoso do barulho que o simples balançar das peles para acenar fazia – se bem que as joias estavam muito bem repousadas naqueles braços, acostumados com a riqueza e o despeito daqueles que avistavam de longe a roda de conversas.
E, sem sombra de dúvidas, pareciam amigas de décadas. Conheciam as famílias umas das outras. Comentavam as vidas uma das outras. Se perguntassem aos que estavam próximos se eram uma família, a resposta seria difícil de dar. Após tantos anos, suportando umas as outras, vivendo as dificuldades de serem amigas por tanto tempo, aquilo era um encontro de amigas que formaram uma grande família.
Elas conversavam em duplas, em trios. Cruzavam olhares entre si e esqueciam que havia um mundo em volta. Tentavam se manter atualizadas sobre os problemas do mundo. Não que os quisessem solucioná-los. Pareciam querer continuar fazendo parte do mundo. O que parecia apenas uma tarde de domingo qualquer, revelou uma surpresa para quem sentava ao lado, ignorado pelo grupo.
Eis que, sem qualquer rubor na face, o diálogo travado sobre redes sociais – que já pareceria por demais incomum para um grupo de idosas – acabou ainda mais estranho:
“Você curte o Bode Gaiato no Facebook?”, perguntou uma delas.
As conversas paralelas se dissiparam e, em instantes, todas concordavam com um aceno de cabeça.
“Adoro as postagens. Me divirto com ele. O Bode Gaiato é demais”, completou a mulher.
O silêncio sepulcral não veio da mesa delas. Veio das mesas ao lado. Por mais que não se estivesse prestando atenção na conversa, a menção ao personagem Bode Gaiato do Facebook era incomum e chamou a atenção. Como diria o Bode Junín, foi assim que fui dormir com a mente quente. E bem menos preconceituoso. Haviam cabras. Idosas. E que curtiam o Bode Gaiato.
São as famosas jovens adultas!