115 dias pra quê?

Recentemente, a educação pública da Bahia viveu um de seus capítulos mais tristes. Um interminável embate entre governo e representantes sindicais resultou numa greve que se arrastou por 115 dias e, no final das contas, apenas os alunos saíram prejudicados: o governo passou a realizar uma agenda positiva para apagar da memória da população os estragos da paralisação e os professores vão empurrar com a barriga um ano letivo perdido e irrecuperável. Diante de tal situação, delimitar culpados serve para o único objetivo de procurar algozes para um crime que ficará sem castigo. A pergunta que ecoa nos ouvidos de todos os envolvidos é uma única: foram 115 para quê?

Abaixo, reproduzo o diálogo entre um professor da rede pública estadual baiana e este interlocutor.

“No fim da carreira, é isso que tenho que enfrentar”. Retira do bolso um celular equipado com câmera e mostra esta foto:

“O que é isso?”, as pessoas à volta perguntam.

“É um quadro”.

“Não usam mais giz nas escolas?”, questiona alguém que há alguns anos já não tem contato com o ambiente escolar.

Isso era para ser um quadro branco”, responde o educador, constrangido, com um semblante de extrema decepção.

Silêncio constrangedor se segue.

“No final da minha carreira, eu esperava algo mais digno. Não é só o quadro. Se bater ou mesmo apagar sem cuidado, ele despenca. Se fosse apenas isso. Agora imagine o que é dar aula numa sala de aula em que há um banheiro dentro. E um banheiro que está quebrado e ninguém suporta o fedor dele”, lamenta ainda mais o professor. E, para provar mostra outra foto:

Com relação à greve dos professores, o governador informa que tinha feito uma proposta anterior de investir a mais R$ 213 milhões nas despesas com a educação, mas acatou a proposta do MPE e do TJ/BA, que ampliou em outros R$ 23 milhões, especificamente para atender a questão salarial da categoria. (veja nota completa)

Durante toda a greve, o governo do Estado utilizou o argumento de que extrapolaria o teto permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal caso acatasse a proposta dos 22% dos professores em 2012. Segundo o presidente da Assembleia Legislativa da Bahia, deputado Marcelo Nilo (PDT), o governador, inclusive, teve a “humildade” de sentar para negociar com representantes dos professores com a intermediação do Ministério Público Estadual e, mesmo durante essas conversas, o argumento do teto foi repetido reiteradas vezes, a ponto de cansar o próprio governador, os servidores, a imprensa e a opinião púbica. Mas, apesar de pouco questionado, mesmo pelos professores, o buraco da educação é muito mais embaixo – parafraseando um linguajar mais popular e adequado à educação da maioria da população baiana/ brasileira.

Os educadores reclamavam de falta de infraestrutura nas escolas. Os alunos reclamavam de falta de infraestrutura nas escolas (veja iniciativa de uma estudante catarinense que tem repercutido na imprensa). O Estado – independente de instância, seja federal, estadual ou municipal – admite falta de infraestrutura. E canta aos quatro cantos que “nunca antes na história desse país” se investiu tanto em educação. Mas será que o canto é real ou apenas mais um canto da sereia, como tantos que os eleitores estão acostumados a ouvir – há mais de 30 anos, diga-se de passagem? As fotos falam por si. Nessa briga de bandidos e mocinhos, uma coisa está comprometida. E é aquilo que nesses 30 anos é repetido como mantra. “Brasil, o país do futuro”. Futuro de quem?

Foram 115 dias. Pra quê? Pra quem? Por que?

* Tanto a identidade do professor quanto da instituição foram omitidos para preservá-los de represálias. O profissional reiterou que seu nome não fosse citado para evitar que a diretora da escola em que as fotografias foram tiradas seja prejudicada. As palavras foram deixadas em negrito para dar ênfase a indignação do educador.

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