Republicano demais

Politicamente, a semana entre 15 e 21 de julho foi marcada, na Bahia, por um marco triste para a história da educação pública brasileira. O impasse até agora intransponível entre professores e o governo do estado ultrapassou a marca de 100 dias e os alunos, maiores prejudicados com a greve que se arrasta desde abril, seguem sem perspectiva de futuro – e olha que, mesmo com aulas, todos admitem que a perspectiva de futuro é bem questionável com a qualidade dos equipamentos da rede pública de ensino, salvo raras exceções. Afora essa triste situação, uma fala repetida em mais de um veículo, por um proeminente parlamentar acabou despercebida por boa parte da imprensa. Numa tentativa de justificar o injustificável – a falta de diálogo concreto entre grevistas e o estado – o presidente da Assembleia Legislativa, deputado Marcelo Nilo (PDT), entoou em alto e bom som: “o governador Wagner é republicano demais”.

Não cabe discutir o sentido semântico em que ela foi empregada. Apenas o complemento da frase: “o governador não diferencia entre os que o apoiaram na eleição e os que estavam na oposição” (a reprodução não é literal, mas como o sentido é o mesmo, mantenho as aspas). E essa frase de Nilo representa um sentimento típico do cenário político brasileiro. Não existem governos para o povo ou pelo povo, como pregava a democracia grega. Existem governos para projetos políticos de agrupamentos partidários e setores de uma sociedade pouco afeita dos desejos comuns do restante dessa mesma sociedade.

Por reiteradas vezes, agora e num passado não muito distante, políticos defenderam/ defendem o alinhamento político entre as instâncias governamentais como causa do sucesso ou fracasso de uma administração pública. Apenas na capital baiana podemos ficar com os três últimos gestores do Palácio Thomé de Souza, Lídice da Mata (hoje PSB), Antônio Imbassahy (hoje PSDB) e João Henrique (hoje PP) como exemplos – a idade não permite que avance para trás. Lídice acusava o grupo do PFL por dificultar sua administração – à época, a legislação até permitia essa interferência. Imbassahy usou o alinhamento com os governos federal e estadual como uma das razões para o funcionamento da Prefeitura enquanto prefeito. E, por último, João Henrique transitou por todas as legendas e variou o discurso conforme a música, entre críticas e elogios às instâncias “superiores”. E esse discurso volta com força em 2012.

Nelson Pelegrino (PT) evoca os governos de Dilma Rousseff (PT) e Jaques Wagner (PT) para divulgar a sinergia necessária para uma administração boa na capital baiana. Mário Kertész (PMDB) lembra que o vice de Dilma, Michel Temer, é do PMDB, e reclama ainda a amizade com Wagner como uma transposição à barreira do PMDB na oposição no plano federal. E ACM Neto (DEM) usa o discurso de que o alinhamento não é necessário – ainda que no passado, o grupo político a que ele é ligado tenha utilizado esse recurso para fechar ou abrir torneiras em diversos municípios baianos. Ainda que os exemplos tenham se limitado à Salvador, percorrendo cidades do interior da Bahia – e de outros estados –  é possível ver a reiteração do discurso de que o alinhamento entre as instâncias do poder é imprescindível para administrar uma cidade e um estado. É o discurso de Nilo, ao “criticar” que Wagner é republicano demais, incubado no sistema político brasileiro.

O questionamento a ser feito não é uma análise dos discursos de quaisquer um dos citados. É a figura do político e sua relação com aquele que deve ser seu grande objetivo, o bem comum da população. Reverbera por vozes da imprensa e da juventude a ideia de abster-se da participação política como uma saída tangível para essa situação. Essa, definitivamente, não é a solução. Há que se deixar claro para a população e, principalmente, para os políticos, que o interesse público deve vir sempre em primeiro lugar. E, retirado o valor do “elogio” de Nilo a Wagner, não se ouse repetir que “ele é republicano demais”. Nunca se é republicano demais. Nem nunca se vai ser. Na política ou na vida pessoal, iguais são iguais e diferentes são diferentes. Ainda assim, iguais e diferentes são os alvos do interesse público. O que, na maioria das vezes, não é o que se discute nas campanhas eleitorais.

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  1. […] da Assembleia Legislativa da Bahia, deputado Marcelo Nilo (PDT), o governador, inclusive, teve a “humildade” de sentar para negociar com representantes dos professores com a intermediação do Ministério Público Estadual e, mesmo […]



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