Um sopro de esperança
Essa matéria foi publicada originalmente na Revista DeMolay Brasil – Edição Outono/2010 -, lançada em março deste ano. O segundo número da publicação do Supremo Conselho da Ordem DeMolay para a República Federativa do Brasil trazia na capa o sorriso estampado de Augusto Abou Jokh Gomes, conhecido como Guto, o grande motivador para a realização da campanha de doação de sangue e medula óssea realizada pela Ordem DeMolay. Foi uma matéria difícil de fazer, principalmente por não conseguir, ainda, manter um certo distanciamento das histórias que conto. Conheci esse jovem em abril de 2009, quando ele ainda buscava uma medula compatível. Dor e esperança fizeram parte dos últimos instantes de sua vida, que apesar de ter se findado, resultou numa grande campanha para salvar outras vidas. Como a maioria das matérias que já publiquei, essa também saiu sem a assinatura. Espero que tenha ficado boa:
Foi um choque. Naquele dia, ninguém sabia como reagir. Enquanto os olhos mostravam, bem no fundo, o medo e o frio no coração, a única preocupação era não preocupar aqueles que o amavam. Pai e mãe, ao lado, com sentimentos confusos, entre a dor e o sentimento de proteção, assustados com uma luta desconhecida que estava por vir. O DeMolay Augusto Abou Jokh Gomes iniciava uma espera que atinge, anualmente, cerca de 1.200 brasileiros, segundo dados do Instituto Nacional de Câncer – Inca. Diagnosticado com leucemia, Guto, como era conhecido, entrava para o grupo que aguarda por um doador compatível de medula óssea.
A doença maligna, que atingirá 9.580 brasileiros em 2010 segundo estimativas do INCA, é resultado de dificuldades de formação de elementos figurados do sangue, os glóbulos brancos ou leucócitos, responsáveis pela defesa do organismo. A característica do paciente leucêmico, geralmente com a origem desconhecida da doença, é o acúmulo de células jovens anormais na medula óssea, que substituem as células sanguineas normais. Popularmente conhecido como tutano, a medula ocupa as cavidades dos ossos, principalmente o esterno e bacia, e é onde são produzidos os glóbulos brancos, os glóbulos vermelhos e as plaquetas.
Logo após o diagnóstico, assim que foi para o quarto, Guto imediatamente começou a pesquisar sobre o assunto. Era ele quem apresentava a família a maior parte das informações sobre a doença, além do hematologista Luiz Prachia, do Hospital São Camilo – Santana, no interior de São Paulo. A busca por notícias só se intensificou com o desenvolvimento da doença e, ao receberem a notícia de que o caso só se resolveria através de um transplante de medula óssea, uma peregrinação foi iniciada. As chances de se encontrar um doador compatível na família são de 25%. Quando não é encontrada entre os parentes, a chance de haver uma medula geneticamente compatível é de 1 em 100.000. Mas a resignação acompanhava Guto.
Em 07 de março de 2009, na sede da Grande Loja Maçônica do Estado de São Paulo, 1.400 pessoas se cadastraram como doadores voluntários de medula óssea. A campanha, iniciada após o diagnóstico do jovem DeMolay, trouxe o hemocentro da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo ao Palácio Maçônico para o preenchimento do cadastro como doador voluntário de medula óssea e a coleta de 50 ml de sangue. Os resultados preliminares da amostra coletada foram encaminhados ao Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea (REDOME) que hoje possui 1.400.000 doadores cadastrados.
Além do REDOME, os pacientes diagnosticados com leucemia têm a chance de encontrar um doador compatível entre as 5.000 bolsas armazenadas nos cinco bancos de cordão umbilical que estão em funcionamento em todo o país. Essas bolsas possuem células não especializadas e capazes de se transformar em quaisquer células do corpo humano. Os dois bancos de dados brasileiros fazem parte de uma rede internacional de registro de doadores de medula óssea. A expectativa do Inca é de que em 2011 outros sete bancos de cordão umbilical estejam em funcionamento e que a rede brasileira seja capaz de atender a demanda por transplante de medula óssea no País.
O Brasil possui o maior registro de doadores de medula óssea do mundo, atrás apenas de Estados Unidos e Alemanha. Com o aumento do número de cadastros de doadores voluntários, as chances de achar um doador compatível aumentaram em 54% se comparados aos 60.000 doadores cadastrados em 2004. A compatibilidade, entretanto, é bem difícil de ser conseguida por tratar-se de compatibilidade genética e não apenas sanguínea como nos outros casos de transplante.
Guto permaneceu na lista de espera por um doador compatível. Nem a família nem o banco de doadores apresentaram a compatibilidade necessária. A última esperança residia em uma prima, que chegava numa porcentagem não muito indicada, com alto risco, mas era a única chance. Ainda no setor de Transplante de Medula Óssea (TMO), enquanto era corrigido um problema em relação ao nome, o sorriso da enfermeira que trazia o resultado do Mielograma denunciou o que todos aguardavam: a medula da prima Dunia estava limpa, sem doenças, Guto receberia o transplante.
O grande resultado do diagnóstico do jovem DeMolay foi a adoção do tema “Doe sangue e medula – um gesto de amor que salva vidas” para o Ano DeMolay 2009/2010. No Ceará, durante o IV Congresso Estadual da Ordem DeMolay, entre os dias 11 e 13 de dezembro de 2009, o Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará – Hemoce – permitiu que os participantes do evento realizado na cidade de Campos Sales efetuassem o cadastro como doadores de medula óssea. Outros Estados, como o Espírito Santo, realizam a campanha no mês de maio, ampliando ainda mais o número de doadores voluntários. O Gabinete Nacional mantém disponível no site do Supremo Conselho o material promocional na campanha, que se estende até o VI CNOD em julho. Ainda dá tempo de seu Estado participar.
“Desde quando soubemos desse problema podemos resumir os últimos meses em muita alegria, somos queridos por muitos e só tivemos momentos felizes”, foram as palavras de Guto para o pai, Reinaldo Gomes, e a mãe, Sumara Abou Jokh Gomes. Agora, como uma linda lembrança, Augusto Abou Jokh Gomes continua vivo em cada um dos que com ele conviveram. O transplante dele foi um sucesso, mas a baixa imunidade, fruto da doença, permitiu que um vírus muito o forte o levasse do convívio dos DeMolays e da família. O pai, entretanto, confidencia: “ouço sempre a sua voz me dizendo: ‘pai, continua esse trabalho lindo, pois nada foi em vão e agora estou curado para sempre”.