O (des)preparo das polícias
Hoje no início da tarde, ao desembarcar no Terminal de Ônibus da Barroquinha, uma das estações de transbordo mais antigas de Salvador, os passageiros do linha Santa Cruz x Barroquinha foram surpreendidos por um carro da marca Volkswagen na cor verde estacionado nas vias de acesso restrito aos veículos dos transportes públicos. Calmamente, o motorista aguardou o fim da interdição da via, enquanto um portador de deficiência física – mais precisamente vítima de elefantíase – gritou de uma das cadeiras reservadas, nas primeiras filas do ônibus: “Saiam da frente que a gente quer passar”.
Muito provavelmente ele apenas deixou ecoar o pensamento de mais da metade daqueles passageiros. No mesmo instante, o motorista do ônibus que estava logo atrás buzinou, sem saber o que se passava nem imaginar a cena que viria logo em seguida – e ele ficou sem refletir sobre ela, até porque aquela cena ficou restrita aos passageiros do ônibus Santa Cruz x Barroquinha. Mas, naquele instante, o tempo estacionou e todos puderem assistir ao que se pode chamar de preparo policial – se aquele veículo fosse realmente um automotor de placa fria sendo utilizado pela Polícia Civil ou meramente integrantes de uma quadrilha passeando livremente por uma das mais movimentadas estações do centro.
Do banco do carona, um senhor aparentando entre 40 e 50 anos, barbado, com óculos escuros e uma arma na mão que, infelizmente, não permitia identificação para leigos. Desceu do automóvel, com a pistola em punho e com a voz em alto e bom som abordou o motorista e o jovem com filariose. “Vocês querem brigar com uma autoridade? Estamos fazendo nosso trabalho e espero que ninguém esteve se sentindo incomodado”. O motorista “policial” desceu em seguida e se dirigiu ao motorista do ônibus que tratou de defender-se: “não fui eu quem buzinou, foi o colega aqui atrás que não sabe o que está acontecendo”. O “carona” voltou a ser incisivo com o garoto gritador: “você não tem medo disso aqui [apontando a arma]? Você deveria ter medo!”.
Muito provavelmente a obstinação de quem enfrenta uma doença como a elefantíase impediu que o garoto aceitasse o desafio, ao mesmo tempo em que a vida difícil deve tê-lo ensinado que contra autoridades não se brinca. E ele se calou. Sorte dele que foi por conta própria. Senão, provavelmente um tiro acidental iria ceifar a vida sofrida dele. Sorte dele e também dos passageiros que aguardavam dentro do ônibus para descer e rumar aos seus trabalhos. Era início de tarde e, por pouco, eles não foram testemunhas de um homicídio doloso – sem intenção de matar. Afinal, aqueles indivíduos que desceram do carro estavam plenamente (des)preparados para lidar com situações de risco. Inclusive quando um motorista usa a buzina para desobstruir o tráfego e um garoto portador de elefantíase brinca de gritar “sai da frente que atrás vem gente”.
Somos reféns da autoridades brasileiras. Juazeiro já se acostumou com arbitrariedade e os abusos de suas autoridades. Vários seguranças de festas privadas já sofreram agressões por não permitirem a entrada de “policiais federais”, indevidamente identificados e sem autorizações de investigação em tal estabelecimento, mas devidamente armados. Já presenciei um caso em que um grupo de federais só pararam de bater no segurança com a chegada da SAMU. E os vereadores? Os vigilantes temem esta espécie. Em meados de 2008, um vereador foi flagrado urinando à porta de uma residência enquanto consumia cerveja. Como qualquer cidadão de bem faria, o segurança o repreendeu verbalmente, na esperança de que o vereador recuperasse sua sobriedade e ao menos se desculpasse do fato. Ledo engano. O vereador sacou sua arma e o ameçou, como no caso dos políciais acima. A sorte do vigilante foram moradores, que ligaram para a polícia militar interceder e dar por fim naquela triste cena.
Esses dois casos apenas ilustram que hoje nós somos reféns de nossas autoridades. Primeiro, do servidor público. Aquele que é pago com nossas contribuições ao estado e que deveria servir com cortesia a população (vide Direito Administrativo: Princípios do Servidor Público). Segundo, do representante político. Este nega apresentações e maiores comentários.
Nosso último recurso é a imprensa. Mas como todos sabem, ela não é escudo e infelizmente nós ainda somos frágeis a “homicídios dolosos”.
Respondendo a pergunta que o polícial civil fez: Sim, eu tenho medo. Medo do que o estado brasileiro criou. Medo do Leviatã.
A cracolândia esta agora neste local…. A logística do tráfico e bem organizada mais organizada que a própria polícia.
Parabéns pelo Blog!
Obrigado pela correção via twitter, Rodrigo Lins. Me equivoquei ao escrever “doloso”. Na verdade, homicídio “culposo” é quando não há dolo, sem intenção de matar. Pensei uma coisa e escrevi outra.